20 de janeiro de 2014

7 mitos na corrida - por Rafael Maioral

Fala galera, inicialmente obrigado aos vários novos seguidores. Isso nos traz ânimo para teclar umas ideias neste espaço.   Hoje trago o excelente texto de um corredor amador de alto nível, como ele mesmo se define. Trata-se do atleta Rafael Maioral, de Santa Catarina, que também tecla no blog rafamaioral.blogspot.com.br, passem lá no blog dele, pois há muitos textos bons sobre experiência em treinamento e sobre participações em provas.

fonte: http://rafamaioral.blogspot.com.br/2014/01/7-mitos-da-corrida.html


 7 Mitos da corrida

Você provavelmente já se deparou com a figura: possui bom porte físico, usa tênis coloridos, normalmente meia de compressão e possui relógio de última geração (com gps, claro). Até aí sem problemas. Acontece que nosso atleta é também um expert quando o assunto é corrida de rua. Suas fontes são variadas: aquela matéria que leu na revista, aquele artigo compartilhado no facebook ou aquele amigo que usa algum equipamento mais high-tech que ele, e que, por isso, deve entender ainda mais do que o seu já alto conhecimento sobre o assunto. Ele não é mal intencionado, apenas imprudente. Instrui e aconselha verdades teóricas, tendo pouca experiência para de fato questioná-las. Afinal, essa parte é apenas um detalhe: ele começou a treinar faz uns três meses, mas já compartilhou tantas fotos de treinos e hashtags no facebook que parece que treinou uma vida.

A corrida é um fenômeno de crescimento no Brasil e no mundo e cada vez mais se escuta falar dela. Cidadãos como o descrito acima proliferam. O problema é que no Brasil, infelizmente, a Educação Física escolar é cada vez menos presente, e o esporte universitário uma vergonha, por isso há pouco conhecimento disseminado, de forma que algumas questões são tratadas quase como verdades universais. Percebo que isso é um problema porque com o crescimento do mercado e do número de praticantes, muitas pessoas que iniciam no esporte acabam seguindo determinados conceitos como dogmas e vão contribuindo para que esses se espalhem.

Decidi escrever esse texto para falar da minha experiência pessoal. Dos meus mitos pessoais. Talvez você tenha uma experiência totalmente diferente com eles, e se tiver, por favor, escreva nos comentários.


Mito número 1 - "Você precisa usar um tênis ideal para a sua pisada".


Na prática: marketing muito bem feito das empresas de tênis esportivos. Salvo casos extremos de pisada realmente fora do normal, o que constitui num caso clínico, tanto faz o tipo de pisada de tênis que você vai usar. Pronada, Supinada, Neutra... provavelmente vai fazer pouca diferença pra você.

Por que acho isso? se você começou a correr há pouco tempo, é bem possível que isso seja um dogma e que você tenha que comprar o tênis certo. Mas quem já corre há mais de dez anos (ou seja, pouca gente, comparado aos que começaram há pouco) dificilmente cai nessa. O problema é que como o mercado cresceu muito nos últimos anos, a quantidade de corredores inexperientes é muito grande, e, assim, quem fala que não entende nada de pisada e não acredita nesse assunto é tido como ignorante. 
Já usei tênis de diferentes marcas, de diferentes "pisadas". Aliás, nunca soube que pisada eu tenho. Já me disseram que sou um grande supinador. Outros dizem que tenho a pisada bem pronada. Vai ver ela deve ser neutra e eu nunca notei.

Mas... Se a pisada é algo dispensável, o peso do tênis não é. De fato faz diferença numa competição correr com um tênis mais leve. De fato corredores mais pesados vão necessitar de mais amortecimento para seus joelhos. O peso é o parâmetro que considero mais importante na escolha de um tênis.


Mito número 2 - "Você precisa fazer musculação para correr melhor e evitar lesões".


Na prática: corredores se lesionando na academia e colocando a culpa de piorarem seus tempos por não terem feito mais musculação. "Os músculos não estão fortes o suficiente", é o que dizem.

Por que acho isso? Fiz pouquíssimas sessões de musculação durante um ano de treinamento para o Ironman. Quando falo em pouquíssimas, uma meia dúzia mesmo. Cheguei a ouvir quem sem musculação não completaria a prova. Felizmente terminei fazendo uma bela maratona. Como não tinha tempo para 'treinar tudo que deveria', sempre trocava a musculação por uma natação a mais, ou uma corrida a mais. Deu certo. Minhas melhores marcas na corrida também foram alcançadas em períodos sem musculação. Eu não sou atleta de grandes marcas, mas e os quenianos que batem recordes mundiais fortalecendo seus músculos na terra, correndo, e que nunca viram uma academia de ginástica na vida? Suspeito que musculação não previna lesão nenhuma na corrida, e que a melhor forma de fortalecer os músculos e articulações na corrida é... correndo. Aliás, suspeito que o componente genético individual de cada pessoa tem um fator tão gigantescamente maior que fazer musculação, que ela se torna irrelevante, pelo menos nos efeitos aplicados à corrida. Musculação te deixa mais pesado e mais lento. Se quer ficar com os músculos fortes para correr... então corra. O princípio da especificidade vale muito aqui. Neste link, aliás, há um artigo em inglês comentando de exercícios de musculação que são inúteis para a corrida.

Mas... há excessões, sim. Penso que alguns exercícios são excelentes: saltos e subidas de escada, por exemplo. E, claro, há vários outros.


Mito número 3 - "Alongar é fundamental"


Na prática: diversas pesquisas científicas versam sobre a inutilidade do alongamento e até seus efeitos ruins na corrida.

Por que acho isso? Esse link contém artigo com diversas fontes científicas que explicam o que penso. Fonte: o excelente blogRecorrido, do meu amigo Danilo Balu, um dos caras que mais entendem de corrida no Brasil. Basta uma passada no blog para ter certeza disso.

Mas... O próprio link acima conclui que o ruim não é o alongamento em si, mas a forma e o momento em que é feito. Creio que uma sessão de treinamento por semana focada em alongamentos pode trazer benefícios. Mas antes e depois do exercício... é ir contra as fontes científicas mais respeitadas no assunto.


Mito número 4 - "Uma boa noite de sono é fundamental para competir bem"

Na prática: corredores atribuem resultados ruins por falta de sono, ou tomam remédios na noite anterior para supostamente dormir bem e poder competir bem no dia seguinte. Mas o sono da noite anterior pouco tem a ver com desempenho.


Por que acho isso? esse é um dos mitos mais surpreendentes e difíceis de entender. Não consigo compreender como ele é repetido exaustivamente sendo que quem participa de competições já teve a oportunidade de testar em si mesmo e ver que ele não funciona. Quanto mais importante é a competição, maior a adrenalina e o nervosismo na noite anterior. Não dorme-se direito mesmo. Isso não significa que você não competirá bem, pelo contrário. A adrenalina é um bom sinal. Meu melhor tempo de dez quilômetros foi feito sem dormir um minuto. Tinha ido para uma festa na noite anterior e fui correr virado. O Ironman é um outro bom exemplo. Parece difícil de acreditar que você leva seu corpo ao limite em 10 horas de prova e quase nenhum sono na noite anterior... mas é exatamente isso que acontece. Ninguém dorme bem antes de um Ironman. Pelo menos não conheci ninguém até hoje. Penso, aliás, que o efeito é justamente o contrário. Na prática, lembro de competições ruins em que tive uma excelente noite de sono no dia anterior, mesmo estando bem preparado fisicamente. Antes de atribuir a culpa à falta de sono... atribuo a culpa à falta de adrenalina. 

Mas: dormir mal por várias noites seguidas não ajudará e de fato pode afetar o desempenho. Dormir mal na véspera não significa que você competirá mal, mas que estará bem cansado após a prova. A imunidade vai lá embaixo, com ou sem um grande desempenho, e aí é preciso dormir bem.


Mito número 5 - "Você precisa usar suplementos".


Na prática: corredores carregando sachês de gel, bagas de cafeína e pó de guaraná... pra correr cinco quilômetros. Atletas de elite ingerindo... água. Desconfie do atleta que anda com garrafinhas e penduricalhos pelo corpo. O grande corredor quase sempre é aquele canela fina que vai optar pela água.

Por que acho isso? suplementos são interessantes principalmente para atletas de altíssimo nível que, em determinados períodos de treinamento, precisam aguentar cargas enormes e intensas de treinamento. Dificilmente - lembre-se, eu disse dificilmente - um atleta amador não poderá encontrar aquilo que precisa em alimentos comuns do dia a dia. Mesmo no treinamento para o Ironman eu utilizei pouquíssima suplementação. Inclusive no dia da prova meu composto de proteína e carboidrato voou da bike no início do pedal e eu não parei para buscar. Não me fez falta - passei o pedal à base de gatorade e a maratona à base de Pepsi e deu tudo certo. Aliás, essa é outra surpresa para boa parte das pessoas: a organização do evento fornece refrigerante, tido como um grande vilão dos atletas e da boa alimentação, devido à hipoglicemia que atinge os atletas de provas de endurance. Sem exageros, bebi cerca de dois litros de refrigerante durante os 42 quilômetros. Sem Pepsi muita gente não terminaria a prova. Uma alimentação saudável pode ser algo muito relativo.

Mas... acho importante ir a um nutricionista e avaliar seu caso individualmente, para analisar o que é mais adequado ao seu caso e sua rotina. 


Mito número 6 - "Você precisa treinar com um profissional de Educação Física".

Na prática:  profissionais com diploma e pouco conhecimento atuando no mercado. Excelentes treinadores desenvolvendo a corrida pelo mundo sem os tais diplomas.


Por que acho isso? existem grandes profissionais com diploma de Educação Física que são excelentes treinadores. Sou sócio de um deles e sou treinado por outro. Não coloquei esse mito para falar mal de uma profissão que valorizo acima do que o país está aprendendo só agora a valorizar, mas sim para compartilhar meu desprezo por essas ideias burocráticas e atuações de conselhos e entidades de classe que pouco tem a ver com a realidade. Bom, estamos no Brasil, e aqui teoricamente um profissional da saúde que tenha um ph.d em fisiologia e tenha sido um ex-atleta de alto nível não pode prescrever um treino porque... bem, ele não tem um diploma de Educação Física. Enquanto isso nos Estados Unidos e na Europa, destaca-se na profissão de treinador quem simplesmente faça um trabalho de qualidade com resultados práticos. As pessoas recebem mais educação e conhecimento desde a escola básica e isso resulta em mais ferramentas para avaliar a qualidade de um trabalho. Sem querer criar polêmica, mas em quem você mais confiaria para te prescrever um treino: um ex-atleta de alto nível que passou mais de uma década treinando diariamente e convivendo com o esporte... ou um profissional com diploma na área, que teve duas ou três cadeiras relacionadas ao assunto na faculdade, mas com pouca ou nenhuma experiência prática? Entre os dois, no Brasil, temos que escolher a segunda opção. Nos Estados Unidos e na Europa normalmente se escolhe a primeira, e eles estão anos luz na nossa frente em número de praticantes e resultados esportivos...

Mas: O treinador ideal provavelmente será aquele que foi um excelente atleta e estudou muito sobre o assunto. Uma combinação de prática e teoria. O que eu discordo é dessa hiper valorização da teoria em detrimento da prática.


Mito número 7 - "Correr machuca os joelhos"

Na prática: pessoas iniciando e desistindo da corrida rapidamente com dores, sobretudo nos joelhos, dizendo frases como "não nasci para correr". Em boa parte dos casos uma grande desculpa, ou uma falta de conhecimento mesmo.

Por que acho isso: correr vai muito provavelmente fazer seus joelhos doerem. Dores na canela também são comuns. Musculares (panturrilhas, em especial) nem se fala. Eu particularmente costumo ter dores nos pés. Nossos ancestrais provavelmente também sentiam dores no dia seguinte àquela corrida para caçar um animal e garantir a sobrevivência da família. Mas eles não tinham opção. No mundo moderno temos todas as comodidades possíveis para não precisar fazer nenhuma atividade física. Os resultados estão aí... nem preciso descrever os níveis de obesidade e blá blá blá. O que me surpreende é que as pessoas querem correr, e não sentir dor. A dor deixou de ser normal. Afinal, o normal é viver uma vida sedentária. Nossos músculos e pulmões pouco trabalham e está tudo bem. E aí queremos começar a correr e, surpresa, queremos não sentir dor! Grande audácia de nossa parte como humanos, penso eu. Correr dói mesmo. Assim como o futebol, a musculação, a dança e qualquer outra atividade física. A boa notícia é que quanto mais preparado estamos... bem, mais preparados estão nossos músculos e nossa capacidade cardio-respiratória! E, assim, vamos sentindo menos dor e mais prazer na prática da atividade física. Assim, se você é iniciante e sente dor ao correr... em boa parte dos casos alegre-se e encare como um "vá em frente, você está no caminho certo".

Mas... É lógico que 'há dores e dores'. Um alto percentual dessas dores iniciais são normais, e o bom de se tornar um atleta amador é que você passa a se conhecer melhor em diversos aspectos. Um deles é ser capaz de separar o 'joio do trigo' no quesito dor. Há dores que você sabe que são preocupantes e vão requerer tratamento. Há dores que... bem, são normais e fazem parte da atividade física. No começo é muito difícil de avaliar, por isso que recomendo visitas a um fisioterapeuta, sobretudo durante o período inicial de treinamento... mas com o passar do tempo você se tornará um verdadeiro expert em reconhecer essas dores (e, claro, quando reconhecer a 'dor ruim', que é uma minoria, não deixe de visitar o fisioterapeuta e/ou médico...)

E aí... concorda com esses mitos?

Discorda?

Adoraria saber nos comentários!

R U N !

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